terça-feira, 27 de setembro de 2016

Estações

Ela era como uma manhã de verão.
Aquelas que você vê o sol já forte mesmo sendo apenas sete da manhã.
Eu adorava admirar todas as suas manias estranhas logo cedo. Ela sentava na beira da cama e abaixava a cabeça, como se fizesse uma prece, agradecendo pelo dia.
Eu nunca perguntei se era isso mesmo que ela fazia.
Então ela virava pra mim e sorria:
- Bom dia, é a sua vez de fazer o café. - sempre era a minha vez de fazer o café, ela saia e passava exatos dez minutos no banheiro, o tempo que eu precisava para levantar por o café passar e arrumar a mesa.
Ela nunca sentava para comer, isso quando ela comia. Sempre falando e falando e falando, sobre planos, sobre o dia, sobre a sua mãe, prima, tia. Eu concordava com tudo.
Ela era 220 as sete da manhã, eu precisava de mais tempo para funcionar.
Ganhava um beijo discreto e ela ia trabalhar.
Ela só voltava as seis. Conversa, sobre o chefe, a colega, a moça do xerox, a dona da padaria. Janta, essa era ela que fazia, perfeita maestria e um dom que eu nunca ia me igualar.
Um filme.
Um beijo, sexo as vezes. Dormir.
Acordar com o meu verão particular.
Rotina.
Toda manhã.
Acordar.
A prece.
Pedir o café.
Dez minutos no banheiro.
Conversar.
Sair.
Voltar.
Conversar.
Jantar.
Amar.
Rotina.
Acordar.
A prece.
Pedir o café.
Dez minutos no banheiro.
Conversar.
Sair.
E ela nunca mais voltou.
Porque verões não se aptam a invernos rigorosos. Ela não entendeu meu jeito de amar.


quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Na mesa do bar

Eu que ainda mentia que já tinha te esquecido, te enxergava no fundo do copo a cada gole amargo de uma cerveja mais ou menos gelada.
Te substituir pelo álcool havia sido mais difícil do que parecia, mesmo em altas doses, no final de tudo para você era onde o meu pensamento voltava.
Escutando Los Hermanos, que cantavam baixinho em uma frequência de rádio que ninguém trocava, como tortura para meu coração partido, quando meu devaneio foi interrompido pelo som da sua risada, na hora eu perdi tudo, o chão, o foco e a habilidade de respirar, e mais forte que eu, virei para o lado e pude te olhar.
Você estava a umas quatros mesas de distância, e ainda assim consegui reconhecer a sua risada exagerada, que só aparecia depois de dois copos de cerveja.
Estava com aquela blusa azul que você se encantou naquela lojinha no fim da rua, mas que não tinha como comprar porque tinha gastado todo o dinheiro do mês com livros, e eu resolvi de dar, só pelo prazer de ver seus olhos brilhando e aquele sorriso sem jeito me dizendo: “você não precisava fazer isso”, eu nunca precisei, mas eu fiz.
No seu pulso brilhava aquele pingente de estrela que ganhou da sua mãe no seu vigésimo aniversário, pendurada naquela pulseira de macramê que compramos juntos na viagem da praia, olhei para o meu pulso e percebi que a minha ainda continuava lá também.
A saia branca que ficava linda, mas você não gostava de usar, porque com seu jeito desastrado sempre conseguia sujar, ela tinha ficado meses na minha última gaveta da cômoda, junto com outras peças, só para o caso de você precisar.
O cabelo solto, estava mais comprido do que eu lembrava, te deixando com uma aparência mais séria do que você realmente era.
Você estava ali, vestida do nosso passado, carregando todas as nossas lembranças, no nosso bar favorito, bebendo seu drinque predileto com as suas três melhores amigas. Essa cena cai tão bem, você se encaixa nessa vida de uma maneira tão exata, que eu sei que não tenho o direito de interromper, e antes que eu me convença de que preciso ir falar com você, já estou do outro lado da rua, pegando um táxi.

Quando você me ver saindo, pelo reflexo do vidro vou esperar para ver a sua reação, mas não vou esperar por você. 

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Domingo a noite

E no final do dia, puta merda.
O foda é o final do dia.
Ela vem chegando de mansinho, assim como quem não quer nada, afinal ela já é de casa, se sente bem e à vontade. Ela deita do seu lado no sofá e se aproxima entrando debaixo das cobertas, vocês são íntimos, e mesmo ela não vindo todos os dias, ela sempre está por perto.
Ela consegue criar pensamentos insanos e cruéis, ao mesmo tempo traz uma inspiração daquelas de artista, deixa a alma a flor da pele, te deixa exposta e sem barreiras, as vezes você até chora.
Amigos inseparáveis, de ver a olho nu. Você já acostumou e até sente falta quando ela não vem.
Melancolia, a minha doce melancolia, que faz parte dos meus dias, que o tornam mais compridos e as vezes, até mais suportáveis. Não me deixe, não saberia viver mais sem você.

Colab: Jader ;)

Obrigada pela conversa de inspiração.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

No turbilhão

 E só minto na hora exata da mentira. Mas quando escrevo não minto.
E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisa de doido, caso de loucura. Porque parece. Existir não é lógico.
Experimentei quase tudo, inclusive a paixão e o seu desespero. E agora só quereria ter o que eu tivesse sido e não fui.
Saudade do que poderia ter sido e não foi
Se ainda escrevo é porque nada mais tenho a fazer no mundo enquanto espero a morte

Este é um melodrama? O que sei é que melodrama era o ápice de sua vida, todas as vidas são uma arte e a dela tendia para o grande choro insopitável como chuva e raios.

domingo, 4 de setembro de 2016

No frio

Eu que nunca assumi o vício na nicotina, me dei por entregue, quando acendi um cigarro para não enlouquecer em meio aos meus devaneios.
Fazendo aquele papel virar cinzas eu nunca deixei queimar até o final, como diz o livro : "é uma metáfora'. Se eu não terminasse, ele nunca terminaria comigo.
Fumaça soprada ao vento, frio que cortava a pele, deveria entrar por um casaco, largar do vício, tanto de fumar como de sofrer, não entrei, não larguei, fiquei ali, encarando um céu cheio de nuvens pesadas, que anunciavam um dia de chuva logo pela manhã. Deixei uma lágrima rolar. 
A confusão que a minha mente anda é tamanha, que não há um só segundo de paz, que eu consiga calar. Os medos e angústias vem e gritam alto de mais me dizendo que eu devo pagar pelos meus pecados.
Essa alegria não me pertence, que eu não devo ser feliz. 
O cigarro queima meus dedos, mostrando que ele está quase no fim, que é hora de apagar, seguir a metáfora e não terminar.
Que se dane.
Eu queimo até o final, até não ter mais o que queimar.
Eu terminei com ele, talvez ele não vai me terminar.