sábado, 9 de julho de 2016

Acontece

- Eu preciso ir agora- segurei a alça da mala, como quem segura um bote salva - vidas no meio do mar aberto. Ela me olhou com os olhos vermelhos, cansada de chorar. Me olhou como seu eu fosse um anjo que apareceu por milagre ali na sua frente, e com um sussurro você me disse pela última vez:
- Vai, vai agora, não vou pedir pra você ficar. Pega as tuas coisas e some daqui, some da minha vida, some da minha existência, tu não pediu pra chegar né? Tu nunca me pediu se podia ficar, você só chegou e foi ficando, ficando, fazendo parte dos meus dias, se tornando tão essencial para mim, fazendo da minha rotina a nossa, fazendo com que os meus dias fossem tudo o que eu nunca pedi, mas lá no fundinho eu queria. Tu nunca pediu minha permissão pra nada, vai pedir pra ir embora agora?- ela riu, de um jeito sem força, como quem entrega os pontos depois de ter lutado com todas suas forças.
Não sabia o que dizer, nem se devia falar, ela estava certa, ela tinha toda a razão, ela se ajeitou no sofá, olhou para o teto, juntou as mãos como se começasse uma prece, e o olhar doce e meigo que ela me olhava, mudou, aqueles olhos amendoados cheios de ternura, ficaram vazios como a escuridão.
- Eu podia te pedir pra ficar sabe,- tentei falar e ela só balançava a cabeça como se dissesse não- chega, eu vou falar agora, ouvi você falar por horas todos os motivos de você querer ir, agora vou te explicar todos os motivos porque não vou te impedir, eu fiz a minha parte, e digo isso de consciência limpa, eu te amei, cuidei de você quando ficou doente, escutei todos os seus dramas, e não me importei todas as vezes que você não podia me dar atenção.
- Fiquei em silêncio todas as vezes que me recriminava por ser quem eu era, ou porque tinha decidido beber um pouco mais em uma festa, mesmo tendo te cuidado nas suas ressacas, fiz a minha parte mesmo, aguentei as piadas da sua família, sorri, e banquei a moça perfeita, te acompanhei onde você queria e fiquei noites sozinha quando você decidia que preferia ir sozinha. - tentei, novamente sem sucesso falar, e ela erguendo a mão em sinal de pare ergueu a voz num tom que eu nunca tinha escutado- Pegou tudo? Não quero mais nada teu aqui, não quero que volte por nada, se achar algo teu vai pro lixo, vai pode reclamar dos meus dramas, diz que eu sou exagerada, pode falar, vai conta pras tuas amigas como eu sou louca, ciumenta e paranoica, conta pra elas como eu me implicava toda vez quando seu telefone tocava e você ia atender no quarto, conta pra elas como eu te amei e como eu fui boba.
- Desculpa- era tudo o que eu podia dizer, acho que era tudo o que ela ainda suportava escutar.
- NÃO!- ela se levantou e apontando pra porta continuou- vai de uma vez, acaba com isso, acaba com essa cena ridícula de novela, some da minha vida, deixa a chave na mesinha e sai, sai dessa casa, sai da minha vida, some da nossa história, sai como você chegou, do nada, sem motivos e sem essas desculpas bobas e sem sentindo, sai bagunçando a minha vida, sai e me deixa chorando.
Ela virou as costas e sumiu no corredor. Larguei minhas chaves na mesa como ela pediu, peguei a mala que ainda restava, e como ela mesma disse, da mesma maneira que entrei na vida dela eu saí sem querer, sem pedir, sem um porquê de verdade, eu saí me sentindo o pior dos seres humanos, mas sabendo que ficar era muito pior, eu saí, eu fechei a porta ouvindo a música que vinha do quarto.
"esquece o amor, vê se esquece. Porque tudo no mundo acontece, e acontece que eu já não sei mais amar, Vai chorar; vai sofrer e você não merece,..."
Ela sempre teve um bom gosto pra música, sempre soube escolher uma boa trilha musical.



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